sexta-feira, 24 de junho de 2011

REFLEXÕES SOBRE O QUE SEJA UMA UNIVERSIDADE



A UNIVERSIDADE

Prof. Flávio José Dantas da Silva (*)

Em função da necessidade de se focar em leituras mais críticas acerca do que seja o estudo e o comportamento universitário, encontram-se alguns enfoques bastante interessantes, que provocam boas reflexões sobre o fazer enquanto seres acadêmicos que somos (docentes e discentes). Óbvio que esses retalhos de saberes, têm o poder de fortalecer e qualificar o caráter de natureza questionadora, acerca da intensa e porque não dizer, integral importância da filosofia no pensar e fazer universitário. Ou seja, antes de se imaginar uma universidade que prepare o indivíduo para o seu fazer profissional aplicado aos diversos mercados, deve a mesma preocupar-se em sua inteireza, em formar um pensamento crítico e intensamente filosófico nos atores principais do mundo acadêmico (docentes e discentes), na essência fundamental da escola de Platão.
Para esse fim, um bom referencial, é o pensamento estruturado de Prof. Luiz Jean Lauand, Livre Docente (aposentado) da Faculdade de Educação da USP, através da sua obra, O Que é uma Universidade? Ali, ele apresenta uma profunda reflexão sobre o pensamento de Josef Pieper, acerca do caráter filosófico que a Universidade tem, segundo a obra desse filósofo alemão.  E como forma de inicialmente caracterizar essas reflexões, toma-se como referência um recorte constante na introdução do acima citado trabalho, onde ele apresenta o pensamento de Ruy Afonso da Costa Nunes em sua obra a herança de Academo:

O filósofo alemão Josef Pieper escreveu belo e sugestivo ensaio, Was heisst Akademisch? (. ..) Segundo Pieper, a natureza íntima da escola platônica deve ser o princípio formal interno das instituições acadêmicas, e tal natureza íntima consistia no modo filosófico de encarar o mundo. Por isso, embora nas universidades modernas se estudem muitas ciências diferentes com objetivos práticos, profissionais, o que deve caracterizar o estudo nessas academias é o espírito filosófico, indagador, universalista e crítico. Acadêmico, explica Pieper, significa filosófico, e um estudo sem filosofia não é um estudo acadêmico. Este consiste na atitude teórica de busca da verdade sem a preocupação imediatista do uso, da prática, do lucro. Além disso, para que o estudo numa faculdade voltada para objetivos práticos como as de medicina  engenharia, seja filosófico, não basta que figure no seu  currículo alguma disciplina filosófica, mas é preciso que os seus mestres sejam animados pelo Eros filosófico, é necessário que se perceba na universidade algo mais que a pura preocupação com o resultado útil e imediato.

Com esse pensamento, fica firmemente caracterizado que a origem histórica da universidade, numa definição mais abrangente, vem da Academia, fundada em 387 a.C. pelo filósofo grego Platão, nos jardins de Academos, podendo ser entendida, e de fato o é por alguns estudiosos, como a primeira universidade, ao menos na sua idéia, como bem define José Félix Patiño Restrepo (médico e acadêmico colombiano), em seu discurso ao receber o título de Doutor Honoris Causa, conferido pela Universidade de Antioquia, em 30 de julho de 2007:

Concebendo que a universidade é a comunidade de mestres e alunos dedicados a adquirir, criar e difundir o conhecimento teria de voltar, talvez a escola de Platão, o grande pensador grego que viveu aproximadamente entre 427 e 347 a. C., na era de ouro da Grécia Clássica. [...] Nos arredores de Atenas nos jardins consagrados ao herói mítico Academos em 387 a. C., Platão fundou uma escola, onde ele próprio, seus alunos, intelectuais e eruditos visitantes ensinavam. De Academos deriva o termo academia, que tem persistido através dos séculos, porém, hoje se entende como uma “sociedade científica, literária ou artística estabelecida por autorização pública”. [...] Se considera que a Academia de Platão foi a primeira escola formal de filosofia da humanidade.

Por outro lado, com isso fica fortemente evidenciada a importância da filosofia na essência universitária, colocando-se desta forma, em nível bastante superior a ação da mesma no preparo para o trabalho profissional. Conforme bem define Luiz Jean, “o filosofar transcende o mundo do trabalho”. Ou como também define Pieper, apud Luiz Jean: "Numa primeira aproximação, pode-se dizer que filosofar é um ato em que é ultrapassado o mundo do trabalho".

Mundo do trabalho esse, que é rápida e incisivamente definido pelo próprio Pieper, conforme obra de Luiz Jean já anteriormente citada:

O mundo do trabalho é o mundo do dia de trabalho, o mundo da utilidade, da sujeição a fins imediatos, dos resultados, do exercício de uma função; é o mundo das necessidades e da produtividade, o mundo da fome e do modo de saciá-la. “O mundo do trabalho se rege por esta meta: a realização da utilidade comum"; é este o mundo do trabalho na medida em que trabalho é sinônimo de atividade útil (à qual é próprio ao mesmo tempo a ação e o esforço).

E com isso, não se quer simplesmente afirmar a superioridade da filosofia sobre o mundo do trabalho, haja vista, que esse universo continuará existindo de forma intensa e independente da filosofia. Mas, no entanto, a intenção é marcar de forma determinante a supra importância da filosofia na formação e construção do conhecimento, principalmente pela sua forma livre e descomprometida de ser. Ou seja, no pensar do próprio Pipier:

“...essa liberdade da Filosofia – [...] está intimamente relacionada e até identificada com o caráter teorético da Filosofia. Filosofar é a forma mais pura de theorein, de speculari, do puro olhar receptivo da realidade.”

Na obra de Luiz Jean (O que é uma universidade?), encontra-se uma citação de Musse und Kult, onde categoricamente se afirma:

Falar do lugar e do direito da Filosofia é, ao mesmo tempo, falar de nada mais nada menos que do lugar e do direito da Universidade, da formação acadêmica, e da formação em geral no sentido próprio da palavra, a saber, naquele sentido pelo qual, por princípio a formação se distingue da simples instrução profissionalizante e a ultrapassa. Instruído é o funcionário e a instrução (profissional) se caracteriza por dirigir-se a um aspecto parcial e específico no ser humano e, ao mesmo tempo, a um determinado setor recortado do mundo. Já a formação se dirige ao todo: culto e formado é aquele que sabe o que acontece com o mundo em sua totalidade. A formação atinge o homem todo enquanto é capax universi, enquanto é capaz de apreender a totalidade das coisas que são.

Ou melhor: é assim que se quer o ser acadêmico. É assim que se quer a universidade. Sendo “capax universi”, pois é aí que se forma o profissional em sua totalidade, em seus aspectos instrucionais, mas acima de tudo, em seus aspectos, sociológicos, humanos, culturais, filosóficos, teoréticos e críticos. Pois, como ainda segundo Pipier, "uma formação não baseada na Filosofia, não perpassada de Filosofia, não pode ser chamada de acadêmica".




(*) – Professor dos cursos de Ciências Contábeis da UESB e da FAINOR



Referências:

Site visitado em – 24/06/2011.

Restrepo, José Félix Patiño Evolución histórica de la universidad - http://www.ascolcirugia.org/cultura/Evolucion_historica_de_la_universidad.pdf
Site visitado em 24/06/2011.

Um comentário:

  1. Com a autorização de Prof. Paulo Pires, encontra-se postado na secçao ARTIGOS, um maravilhoso comentário feito por ele, acerca dessas minhas palavras acima acerca da UNIVERSIDADE. Sugiro fortemente a leitura.

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