quarta-feira, 27 de julho de 2011

Produtos Populares e Não Produtos Com Elevado Valor Adicionado

Considerando as condições atuais do Brasil, com a inserção no mercado consumidor de alta parcela da população mais pobre, pela efetiva melhoria das condições econômicas do país, uma discussão se faz eminentemente necessária sobre o que realmente deve ser produzido no Brasil. E neste caso, sugiro a leitura e debate intenso sobre um texto publicado em 1994 no Jornal do Comércio, que voltou recentemente, com a postagem do mesmo no Blog do Professor Stephen Kanits. Vejam o texto a seguir:


Posted: 26 Jul 2011 06:00 AM PDT
Artigo de 1994, que iniciou a discussão de produtos de baixa renda como o a opção correta para o futuro do Brasil

A política de substituição de importações acabou dando uma direção à economia brasileira não compatível com a realidade.

Nossos desenvolvimentistas da época, com sua política de substituição das importações, criaram uma indústria voltada para produzir bens para os 10% mais ricos da população.

Produtos importados e sofisticados que eram importados pelos ricos passaram a ser produzidos aqui, e assim crescemos.

A má distribuição da renda não foi uma consequência, mas uma necessidade para se escoar a produção. 

Um modelo parece que se esgotou por várias razões: existem cada vez menos ricos no Brasil e no mundo, e os que temos irão de novo importar os seus carros, home theaters etc, com a abertura das importações. 

Tentar enfrentar o problema, produzindo produtos com ainda mais qualidade e tecnologia do que os concorrentes no Primeiro Mundo, será uma tentativa desigual.

Países do Primeiro Mundo sempre terão mais escala e menores preços simplesmente porque suas populações são mais ricas. 

A saída será reorientar a produção para os 20, 30, 40, 50% seguintes na escala econômica. Os 50% mais pobres da população infelizmente ainda serão marginalizados. 

As vantagens porém são enormes.

Quando rico fica mais rico, a renda disponível cresce somente uma fração do aumento da renda.

Quando pobre fica mais rico, saia de baixo. Um aumento de 1% de crescimento no PIB, aumenta 3% o consumo de ovos, por exemplo. 

No ano 2000, 2/3 da população mundial será relativamente pobre, e se nós pudermos criar e vender produtos adequados para os nossos pobres, aí sim, teremos condições de exportar competitivamente - para o mundo. E o nosso grande concorrente será a China, e não a Coreia, Japão e Estados Unidos. Meno male. 

Nossas empresas em média estão mal preparadas para o segmento de produtos populares.

Primeiro na concepção do produto. Precisaremos tirar o ABS do freio, o Dolby do som, e tantas outras sofisticações que encarecem o produto. O produto ideal está mais na linha do "Meu Primeiro Gradiente", colorido, resistente e barato. 

Reintroduzir o Fusca foi uma ideia na direção certa, mas o correto seria introduzir a bicicleta com motor.

O meio de transporte compatível com a renda atual do brasileiro médio é a bicicleta de US$ 90,00, e não um carro "popular" de US$ 8 mil. 

Poucos shoppings centers no Brasil foram construídos em cima de metrôs, poucos metrôs possuem áreas de vendas, que poderiam ter sido alugadas.

Pobre possui menos tempo que o rico para fazer compras. Precisa-se ter um carro para comprar na maioria dos shoppings, uma distorção do modelo industrial. 

O governo concentrado em manter seus monopólios relega a sua função de agente de mudança.

Neste novo modelo a ação do governo faz-se necessária. No caso das bicicletas, surgem imediatamente os problemas de trânsito e falta de ciclovias.

No caso dos metrôs, a falta de planejamento. A abertura do comércio aos domingos é condição sine qua non para baratear os custos fixos do comércio. 

Enquanto no modelo industriaI anterior crescia-se primeiro para distribuir a renda depois, a nova estratégia de produtos populares requer o aumento da renda primeiro para depois crescermos.

O que Henry Ford fez ao dobrar os salários dos seus operários. No caso brasileiro, a simples eliminação do FGTS e a sua distribuição imediata ao trabalhador aumentaria a renda sem onerar os custos da empresa. E se o país crescer, os riscos de desemprego serão menores. 

Publicado no Jornal do Comércio 1994 

Postado recentemente no Blog do Stephen Kanitz:
http://blog.kanitz.com.br/

sábado, 16 de julho de 2011

Delinquência acadêmica

Walter Hupsel

Por Walter Hupsel . 14.07.11 - 13h33

Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil divulgou as 90 faculdades que conseguiram a proeza de não ter nenhum dos seus alunos aprovados no exame da Ordem. SIM,  é uma proeza quase heróica não ter NENHUM dos seus alunos aprovados. Fico mesmo imaginando uma pegadinha, Ivo Holanda aparecendo na sede nacional da OAB e rindo à beça dos togados.

Mas não, infelizmente não foi “pegadinha”, mas sim o retrato cru da realidade do ensino superior brasileiro, na sua expansão a todo e qualquer custo promovida pelo recém falecido, e por isso canonizado, o ex-ministro da Educação  Paulo Renato Souza.

Ali, mais do que expandir o ensino universitário, Paulo Renato o loteou, rifou e o massificou com todas as características que  isso tem de pior. A maior parte da expansão foi feita apenas pelo viés da mercantilização, sem nenhuma outra preocupação.

A equação era simples para os aventureiros do ensino superior: Entra dinheiro, sai diploma. Uma compra vantajosa, com a grande vantagem de ser parcelada em 48 meses, e sem juros. Mas no meio do caminho havia uma pedra. Como toda entrega de produto, a logística é fundamental e atrasos são mal vistos pois atestam a incompetência da empresa.

Neste caso, a pedra responsável pelo atraso tem nome. Professor. É ele quem pode “atrapalhar” o aluno na consecução do seu objetivo imediato, a compra parcelada do diploma que, segundo as propagandas, catapultariam esses estudantes a uma vida confortável, com bons salários , carro zero km na garagem e as contas em débito automático, o sonho da classe média brasileira.

Se o atraso persiste, a empresa de venda parcelada de diplomas começa a ter problema com seus clientes, e corre o risco de perdê-los. Na lógica mercantil dessa educação, isso implica menor lucro. Logo, racionalmente, a melhor saída é diminuir ou mesmo tirar a pedra do caminho.

Assim, e sem meias palavras, todas as pressões recaem sobre o professor. Direção, alunos e, creiam, muitas vezes os pais vão à coordenação reclamar de notas de alunos. Vejam bem, estou falando de minha experiência pessoal, como professor universitário, dando aulas pra alunos de, em média, 20 anos.

Nesse círculo deletério, o professor é praticamente impedido de fazer o seu trabalho, de ensinar a matéria e cobrar leitura e resultado dos alunos. Quando ousa dizer que um aluno não está apto, é pressionado a “reconsiderar” sua avaliação. Em muitos casos são demitidos por, vejam só, cumprir sua obrigação ética.

Mas o discurso de “melhorar de vida”, a propaganda de ascensão social continua, e atrai clientes. A leniência da instituição de “ensino” é corroborada por alunos que sabem da aprovação,  sabem que o contrato de entrega da mercadoria em 48 meses terá que ser cumprido. Resulta óbvio: finge-se que ensina, finge-se que aprende. Quem tenta não fingir está no lugar errado, infelizmente.

Assim a deliquência acadêmica continua, ad eternum. E os cofres não param de encher, para júbilo dos empresários “educacionais”, e infortúnio dos alunos, dos professores e, mais, da educação superior no Brasil.
O sonho do carrinho zero km, das contas em débito automático não se realiza. Demora, mas esses alunos, principalmente os dedicados e esforçados, percebem que foram vítimas de estelionato. Que agradeçam ao finado ex-ministro.

P.S. Vejam aqui a lista destas “faculdades”. Em uma delas comecei minha carreira de professor universitário. Fui demitido por reprovar alunos. Devia estar feliz, me sentir vingado, mas não estou.

Publicado originalmente no endereço:
http://colunistas.yahoo.net/posts/12353.html